Cirurgias Dentárias em pacientes pós-COVID – Você realiza pequenas cirurgias dentárias em sua rotina de consultório? Você está atualizado sobre exames que o paciente que está se recuperando da cov-19 deve fazer antes uma simples extração?
Recomenda-se adiar certos procedimentos cirúrgicos por determinados períodos após a recuperação. Leva-se em conta a gravidade do quadro de saúde apresentada pelo paciente durante o tratamento e recuperação da Covid-19.
Sabe quanto tempo deve esperar? A literatura ainda carece de diretrizes claras para cirurgias menores após a recuperação da COVID-19. Lembre-se que estados infecciosos podem tornar os pacientes propensos a inflamação e coagulação excessivos.

Cirurgias Dentárias em pacientes pós-COVID
Histórico dos últimos 4 anos.
Todo esse texto é uma transcrição de um artigo que ficou famoso nos meios acadêmicos. Uma trombose no seio cavernoso levou à perda da visão após a extração simples de um dente em um paciente que se recuperou da Síndrome do Cov-2019. O artigo original é do Journal of Oral Maxillofac Surgery, Abril 2022 80;709-713, 2022.
O artigo original se encontra no endereço da National Library of Medicine.
Em 7 de janeiro de 2020 o Centro Chinês de Controle e Prevenção de Doenças identificou pela primeira vez o vírus que agora é conhecido como Coronavírus 2019 (COVID-19). Na cidade de Wuhan, utilizando uma amostra coletada da parte de trás do nariz os pesquisadores conseguiram detectar a doença em um paciente até aquele momento diagnosticado com pneumonia atípica. Essa doença causa sintomas graves semelhantes aos da gripe, como dificuldade respiratória e danos agudos nos órgãos cardíacos e renais.
Alterações nos Fatores de Coagulação
A doença também induz a um estado de excessiva tendência de coagulação do sangue. Isso resulta em danos aos revestimentos internos dos vasos sanguíneos, inibe a dissolução dos coágulos sanguíneos e provoca a formação de coágulos. Além disso, a baixa oxigenação do sangue promove a coagulação dentro dos vasos sanguíneos. Ademais esse estado complexo de distúrbio da coagulação pode levar a coágulos nas veias, bloqueio dos vasos sanguíneos nos pulmões, coagulação generalizada dentro dos vasos sanguíneos. Igualmente a formação de coágulos nas veias do cérebro, resultando em diversos sintomas neurológicos agravados, especialmente em pacientes com riscos de coagulação ou diabetes mellitus.
Relato Clínico
No artigo do Journal of Oral Maxillofac Surgery os autores estão relatando um caso de um paciente com diabetes bem controlado que se recuperou recentemente da COVID-19 com o uso de anticoagulantes. No entanto, ele desenvolveu um coágulo nas veias do cérebro e teve sintomas vasculares e neurológicos que pioraram. ;Esse fato causou a perda de visão em um dos olhos após a extração de um dente molar.
Um homem de 69 anos, com diabetes mellitus e hipertensão, foi internado no hospital devido a febre e baixa oxigenação no sangue. Durante o exame físico, mostrou sinais de desidratação, pressão arterial de 150/90 mm Hg, níveis elevados de glicose aleatória (214 mg/dL) e HbA1c de 9%. Sua temperatura era de 37,9°C, ele respirava 18 vezes por minuto e sua saturação de oxigênio estava em 88%.
O paciente estava consciente e seu exame neurológico estava normal. Os testes laboratoriais mostraram um nível elevado de D-dímero (2,6 mg/mL) e uma contagem baixa de leucócitos. A tomografia computadorizada do tórax revelou opacidades subpleurais nos dois lados dos pulmões. O teste de reação em cadeia da polimerase (PCR) feito com uma amostra da parte de trás do nariz confirmou a infecção por COVID-19. Mais detalhes sobre os resultados dos testes estão na Tabela 1.
Procedimentos Hospitalares e Alta
O tratamento consistiu em hospitalização, fornecimento de oxigênio, líquidos intravenosos, antibióticos intravenosos, medicamentos antivirais, corticosteroides e anticoagulantes. Após 7 dias, o paciente apresentou melhora significativa. Cinco dias após isso, o teste de PCR deu negativo. Os médicos o liberaram do hospital dando instruções de tomar um anticoagulante oral (Xarelto 10 mg, Rivaroxaban, Janssen, Egito) diariamente.
Intervenção Odontológica
Doze dias após sair do hospital, o paciente sentiu dor no segundo molar superior direito, que estava quebrado. Ele procurou um dentista em uma clínica particular, que decidiu realizar a extração do dente sem prescrever antibióticos preventivos ou verificar o nível de D-dímero. Após a extração, o paciente começou a ter dores de cabeça intensas e sofrer com alterações da consciência.
De volta ao hospital
Ele foi internado na unidade de terapia intensiva (UTI) e passou por exames radiológicos e laboratoriais. Uma ressonância magnética do cérebro com um agente de contraste revelou a presença de coágulos nas veias transversa e sigmoide (Figura 1A). As imagens da ressonância magnética também mostraram coágulos nas veias do seio cavernoso e infecções nos seios maxilares e esfenoidais do lado direito (Figuras 1B, C).
Após 9 dias de tratamento na UTI, outra ressonância magnética mostrou que os coágulos nas veias transversa e sigmoide estavam diminuindo, e o paciente pôde deixar a UTI. No entanto, ele reclamava de inchaço na bochecha direita e dificuldade em mover o olho direito em todas as direções. A seguir o exame clínico mostrou uma infecção na região canina da boca, com inchaço dentro e fora da boca (Figuras 2A, B).
Complicações – Cirurgias Dentárias em pacientes pós-COVID
Os médicos encaminharam o paciente para os departamentos de oftalmologia e otorrinolaringologia para avaliação. O oftalmologista observou que o paciente tinha uma pupila que não respondia à luz adequadamente, pálpebra caída e dificuldade em mover o olho em todas as direções. A ressonância constatou uma obstrução na artéria central da retina, e o oftalmologista confirmou o diagnóstico de coágulos nas veias do seio cavernoso.
Apesar de ser rara, a cegueira decorrente da trombose do seio cavernoso é documentada por pesquisadores como Walsh e Hoyt11, bem como por Ahmadi et al12.
Nesses casos, a perda de visão ocorre devido à formação de úlceras na córnea causadas pelo fechamento inadequado das pálpebras ou à obstrução da artéria central da retina devido a várias razões, como:
compressão na região orbital, formação de trombos,
inflamação da artéria carótida interna,
neurite tóxica e neuropatia óptica isquêmica.
Esses fatores alinham-se com a crença dos autores do relato de caso, os quais postulam que a infecção no espaço canino, que é classicamente conhecida, tem potencial para se espalhar para o cérebro. Isso é acompanhada por uma reação inflamatória intensa, combinada com o estado imuno-comprometido do paciente, desencadeou a perda de visão.
Apesar de o protocolo do departamento de anestesiologia sugerir que cirurgias eletivas devem ser adiadas por 3 meses após a infecção por COVID-19, esse caso foi considerado urgente e fora do protocolo usual.
Discussão do Caso – Cirurgias Dentárias em pacientes pós-COVID
Enquanto a COVID-19 se espalha pelo mundo, a literatura científica ainda não dispõe de diretrizes claras para dentistas e cirurgiões bucomaxilofaciais que precisam lidar com pacientes recentemente recuperados e infectados. Enquanto isso pesquisas em andamento sobre a doença criam incertezas sobre as modificações médicas necessárias para realizar cirurgias orais menores de forma segura. No entanto, ao considerar procedimentos como a extração dentária, que é uma intervenção cirúrgica menor, a Sociedade Americana de Anestesiologistas e as Fundações de Segurança do Paciente de Anestesia divulgaram uma declaração conjunta sobre a realização de cirurgias eletivas após a recuperação da COVID-19. Nesse documento eles propuseram diferentes intervalos de tempo a partir do diagnóstico da doença até a cirurgia, dependendo da gravidade dos sintomas:

Recomendação de espera – Cirurgias Dentárias em pacientes pós-COVID
-assintomáticos, sem sintomas respiratórios – forma leve | 4 semanas |
-sintomáticos (ex tosse) sem necessidade de hospitalização | 7 semanas. |
– sintomáticos diabéticos, imuno-comprometidos ou hospitalizados | 10 semanas |
– Casos graves ou críticos – internação em UTI | 12 semanas |
Esses intervalos foram estabelecidos sob a premissa de que os pacientes teriam uma recuperação completa e não apresentariam sintomas ativos de COVID-19 no momento da cirurgia. É importante observar que essas diretrizes podem variar de acordo com as recomendações específicas de saúde de cada região.
Dentro do contexto do caso apresentado, a extração do segundo molar superior em um paciente que se recuperou recentemente da COVID-19 foi realizada sem considerar adequadamente as orientações pós-infecção e a necessidade de anticoagulantes. Isso resultou em complicações graves, incluindo a formação de coágulos nas veias do cérebro e a perda de visão. Isso enfatiza a importância de seguir as orientações médicas apropriadas ao lidar com pacientes em circunstâncias semelhantes.
Exames de Análises Clínicas – Cirurgias Dentárias em pacientes pós-COVID
Por fim, independentemente da gravidade do quadro de saúde do paciente durante a covid, para realizar qualquer tipo de cirurgia nos primeiros 3 meses de recuperação, recomenda-se realizar os exames:
DÍmero – D |
Tempo de Tromboplastina Parcial |
VHS |
Portanto, o clínico deve investigar a presença de valores normais de dímero-D bem como Tempo de Tromboplastina Parcial. O VHS nos dá um visão do quadro inflamatório do paciente. Ademais, em caso de qualquer alteração no regime de coagulação do paciente, o dentista deve discutir com o médico responsável.
Nesse sentido um consenso internacional desaconselha qualquer procedimento cirúrgico eletivo nos 3 meses após a recuperação da COVID-19.
Igualmente esse enfoque se alinha com a abordagem de Zehani et al em 201716, que enfatizou a importância de fornecer antibióticos preventivos antes da extração dentária em pacientes diabéticos não controlados para evitar infecções graves. Do mesmo modo este caso ressalta a associação entre a ocorrência de trombose nas veias do seio cavernoso e cegueira, decorrente da falta de adiamento da extração dentária para um momento mais seguro. Também expõe a negligência das precauções de segurança em relação ao estado imunológico e trombótico do paciente.
Recomendações ao Cirurgião – Cirurgias Dentárias em pacientes pós-COVID
Espere um intervalo que pode se estender para 12 semanas se foi necessária a internação do paciente em uma UTI. Mantenha um rigoroso controle de infecções, administrar antibióticos preventivos e monitorar o estado de coagulação dos pacientes em coordenação com o médico responsável. Note que as recomendações dos autores são baseadas na visão de especialistas mas estão aguardando os resultados de ensaios clínicos para fundamentar os protocolos.
Conheça a história pregressa do cliente incluindo problemas sistêmicos, o tempo decorrido da infecção e nível de dificuldade que o paciente enfrentou para se curar da Cov-19. Peça que o cliente faça exames para identificar possíveis alterações nos fatores de coagulação principalmente o dímero-D e o tempo de Tromboplastina e Glicemia.
Além disso prescreva antibióticos e inicie a medicação antes do procedimento para proteger o cliente de uma infecção. Ademais o dentista deve manter uma boa comunicação com o médico responsável pelo cliente.
Se necessário ou estiver inseguro, mude a data do procedimento – dê mais tempo – conforme os prazos recomendados.
Nossa sugestão é que você leia também nosso artigo sobre Diabetes Mellitus.
Autor: Nivaldo Pinho Gonçalves, Periodontista, CROSC 9696.
Referência: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8848634/
Pingback: Terapia Endodôntica Mecanizada - Sorriso e Saúde