A incidência de AVC e infarto em pacientes com Periodontite

A incidência de AVC e infarto em pacientes com Periodontite – Nas últimas três décadas, uma crescente atenção tem sido direcionada para o estudo da relação entre a periodontite e doenças cardiovasculares, especialmente episódios de derrame e infarto do miocárdio.

Essa interligação entre a saúde bucal e a saúde cardiovascular tem gerado um campo fértil de pesquisa, com o objetivo de compreender como a presença da periodontite pode influenciar a incidência de tais eventos críticos.

O fato dessas doenças compartilharem diversos fatores de risco comuns, levantou a questão de se a inflamação crônica presente na periodontite poderia contribuir para o desenvolvimento de AVC e infarto.

A incidência de AVC e infarto em pacientes com Periodontite

A incidência de AVC e infarto em pacientes com Periodontite

A Doença Periodontal abraça duas modalidades da moléstia conforme a gravidade do problema: a Gengivite e a Periodontite. Assim, a gengivite só atinge a gengiva marginal ao redor do dente. Porém a periodontite destrói a gengiva, os ligamentos que prendem o dente ao tecido ósseo e o próprio tecido ósseo que sustenta o dente.

A Periodontite, também conhecida como periodontose, tem sido associada a um aumento no risco de acidentes vasculares, como o acidente vascular cerebral (AVC) por várias razões. Essas associações estão embasadas em uma série de estudos de pesquisa e incluem os seguintes mecanismos:

A incidência de AVC e infarto em pacientes com Periodontite

A- Inflamação sistêmica

A periodontite é uma doença inflamatória crônica que afeta as gengivas e os tecidos de suporte dos dentes. A inflamação crônica é conhecida por desempenhar um papel fundamental no desenvolvimento de doenças cardiovasculares, incluindo AVC. Acredita-se que as substâncias inflamatórias liberadas na corrente sanguínea devido à periodontite possam contribuir para o processo de aterosclerose, que é o endurecimento e estreitamento das artérias que pode levar a um AVC.

Periodontite Avançada
Periodontite Avançada. Sondagem aponta 7mm de profundidade – Sonda Milimetrada de Willis.

Existem várias substâncias inflamatórias liberadas na corrente sanguínea que podem aumentar os fatores promotores de coagulação do sangue. Essas substâncias desempenham um papel na resposta do organismo à inflamação, mas também podem contribuir para distúrbios de coagulação. Assim, alguns exemplos incluem:

1. Interleucina-6 (IL-6):

A IL-6 é uma citocina inflamatória que desempenha um papel central na resposta inflamatória. Ela pode estimular a produção de fibrinogênio, uma proteína que desempenha um papel importante na coagulação sanguínea.

2. Fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa):

O TNF-alfa é outra citocina pró-inflamatória que pode afetar a coagulação sanguínea. Ela pode ativar as células endoteliais, que revestem o interior das artérias, contribuindo para a formação de coágulos.

3. Proteína C-reativa (PCR):

A PCR é uma proteína produzida pelo fígado em resposta à inflamação. Níveis elevados de PCR no sangue estão associados a um aumento na tendência de coagulação.

4. Fator Tecidual ou Protrombina:

O fator tissular é uma proteína liberada em resposta a lesões nos tecidos. Ele desempenha um papel crucial na ativação da cascata de coagulação, levando à formação de coágulos.

5. Fator de ativação Plaquetário: 

Durante a inflamação, as plaquetas no sangue podem ser ativadas, tornando-se mais aderentes e propensas à formação de coágulos.

Todas essas substâncias podem contribuir para um estado de hipercoagulação sanguínea, aumentando o risco de trombose (formação de coágulos indesejados nos vasos sanguíneos) e eventos trombóticos, como infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral (AVC). Portanto, a inflamação crônica e os distúrbios de coagulação estão interligados e podem ter implicações significativas para a saúde cardiovascular e outros sistemas do corpo.

A incidência de AVC e infarto em pacientes com Periodontite

B- Bactérias orais na corrente sanguínea:

Uma bolsa periodontal é um espaço anormalmente aprofundado entre o dente e a gengiva que se desenvolve como resultado da periodontite. Portanto essa condição é uma manifestação da perda de suporte dos tecidos periodontais que cercam os dentes.

Na Periodontite a gengiva esconde bactérias que estão continuamente produzindo toxinas perigosas para o cérebro e coração.
À esquerda: os estágios da doença. À direita remoção de cálculo dental. Antes e Depois.

Uma bolsa periodontal é formada quando a inflamação crônica e a infecção bacteriana na gengiva causam danos aos tecidos que normalmente aderem o dente ao osso circundante. À medida que os tecidos se deterioram, a bolsa começa a se aprofundar, criando um espaço onde as bactérias podem proliferar. A profundidade dessa bolsa é medida clinicamente através de um instrumento profissional – a sonda Milimetrada de Willis – que avalia a gravidade da doença periodontal.

Em casos avançados, essas bactérias podem entrar na corrente sanguínea durante a mastigação ou mesmo a escovação ou durante procedimentos dentários invasivos. Então isso pode levar à disseminação de bactérias para outras partes do corpo através da circulação sanguínea. Finalmente a presença de bactérias na corrente sanguínea podem desencadear uma resposta inflamatória sistêmica, que pode aumentar o risco de doenças cardiovasculares.

A incidência de AVC e infarto em pacientes com Periodontite

C- Danos endoteliais (revestimento interno dos vasos sanguíneos)

A presença de bactérias e das toxinas promotoras de inflamação na corrente sanguínea devido à periodontite pode danificar o revestimento interno das artérias, chamado de endotélio. Isso pode levar a uma disfunção endotelial, o que por sua vez contribui para o desenvolvimento de placas de aterosclerose. Essas placas podem se romper e causar obstruções nas artérias, predispondo a eventos vasculares, como AVC.

É importante notar que a associação entre a periodontite e o risco de AVC ainda está sendo estudada, e mais pesquisas são necessárias para determinar a extensão exata dessa relação. No entanto, os mecanismos mencionados acima destacam a importância da saúde bucal na prevenção de doenças cardiovasculares, enfatizando a necessidade de cuidados dentários regulares e tratamento adequado da periodontite.

A incidência de AVC e infarto em pacientes com Periodontite

Tratamento da Periodontite

O tratamento da bolsa periodontal geralmente envolve a limpeza profunda da área afetada por meio de um procedimento conhecido como raspagem e alisamento radicular. Em casos graves, cirurgias periodontais podem ser necessárias para eliminar a bolsa e promover a cicatrização dos tecidos.

A extração dos dentes também é um tratamento a considerar quando não existe a possibilidade de eliminar a bolsa periodontal ou quando a destruição óssea ultrapassou a capacidade de suporte mastigatório.

O tratamento é essencial para prevenir a progressão da doença periodontal, evitar a perda de dentes e reduzir o risco de complicações sistêmicas. Essas complicações incluem as apresentadas alguns parágrafos acima que falam do aumento do risco de doenças cardiovasculares.

A incidência de AVC e infarto em pacientes com periodontite

A incidência de AVC e infarto em pacientes com Periodontite

Bom, até aqui nós apenas pontuamos as razões teóricas que sugerem esta possível relação entre a periodontite e o risco de acidentes vasculares. Mas e na prática? Quais dados clínicos reforçam esta possibilidade?

Os estudos clínicos e de acompanhamento de pacientes têm fornecido evidências substanciais que relacionam a periodontite ao aumento do risco de acidentes vasculares, como o acidente vascular cerebral (AVC). Aqui estão alguns exemplos de dados clínicos e números que reforçam essa relação:

Estudo clínico 1

Este estudo avaliou a prevalência de doença periodontal em 100 pacientes, 50 dos quais tinham AVC isquêmico e 50 eram controles sem AVC. Os pacientes foram pareados por idade, gênero, etnia, tabagismo, consumo de álcool e diabetes. O estudo encontrou que 62% dos pacientes com AVC tinham doença periodontal moderada ou severa, em comparação com 32% no grupo controle. A análise mostrou uma correlação significativa entre doença periodontal moderada e alteração da cor gengival com o grupo de casos/controle. Os resultados sugerem uma forte associação entre doença periodontal e AVC.  

Esse estudo está no endereço a seguir: Associação entre doença periodontal e AVC-I: alerta preventivo – análise epidemiológica da doença periodontal em indivíduos que tiveram acidente vascular cerebral isquêmico (AVC-I) | RGO (Porto Alegre);53(4): 291-295, out.-dez. 2005. tab | LILACS | BBO (bvsalud.org)

Estudo Clínico 2

Neste grande estudo de caso-controle de doença periodontal (DP), verificado por perda óssea radiográfica e com uma cuidadosa consideração de potenciais fatores de erro, o risco de um primeiro infarto do miocárdio (IM) foi significativamente aumentado em pacientes com DP, mesmo após o ajuste dos fatores de erro. Essas descobertas fortalecem a possibilidade de uma relação independente entre DP e IM.

Estudo Clínico 3

Outro estudo realizado em Harvard demonstrou que se você tem periodontitee, seu risco de ter um ataque cardíaco ou derrame pode ser de duas a três vezes maior. No entanto, isso não significa necessariamente que uma doença causa a outra. Em contrapartida, existem pessoas com corações saudáveis que têm doença gengival e nem todas as pessoas com doença gengival têm problemas cardíacos. Em síntese, alguns hábitos, como fumar ou ter uma dieta ruim, podem ser a verdadeira causa desses problemas. Mas ainda há suspeitas de que a doença gengival possa ser um fator de risco independente para doenças cardíacas.

Como esse link ficou muito grande você pode conferir aqui:

https://www.health.harvard.edu/heart-health/gum-disease-and-heart-disease-the-common-thread#:~:text=People%20with%20gum%20disease%20(also,gum%20disease%20develops%20heart%20problems.

Estudo Clínico 4

Um estudo sueco de 2020 analisou mais de 1,1 milhão de participantes ao longo de 24 anos e constatou que a presença de periodontite estava associada a um aumento de 9% no risco de AVC, especialmente em indivíduos com menos de 65 anos de idade.

Estudo Clínico 5

Outro trabalho da National Library of Medicine concluiu que a doença periodontal é bastante comum em pacientes com doença cardíaca isquêmica. Muitos estudos têm mostrado uma ligação entre essas duas condições, embora ainda não saibamos exatamente como uma pode influenciar a outra.

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7035434/

A incidência de AVC e infarto em pacientes com periodontite

A incidência de AVC e infarto em pacientes com Periodontite

As 5 pesquisas que nós relacionamos acima são apenas algumas das mais recentes. Existe uma infinidade de relatórios acumulados ao longo desses 30 a 40 anos que reforçam a realidade deste problema. A maneira mais simples de explicar o que dizem esses estudos é a seguinte:

Vamos supor um grupo de 600 indivíduos entre 40 e 70 anos acompanhados ao longo de alguns anos. Nesse grupo encontram-se 300 indivíduos que em algum momento passaram por algum episódio de acidente vascular. E no grupo dos outros 300 indivíduos não há relato deste tipo de ocorrência.

Ao examinar periodontalmente os dois grupos, os pesquisadores descobrem que no grupo com histórico de acidentes vasculares a incidência de indivíduos com periodontite é muito mais alta do que no grupo sem histórico de AVC.

Analogamente é necessário destacar que alguns estudos sugerem um aumento dos números desses acidentes vasculares em pacientes jovens, na faixa dos 40 a 50 anos de idade. Ocasionalmente eu mesmo atendi um paciente na faixa dos 40 anos que jogava futebol, não fumava. Entretanto sofreu um derrame aos 40 anos. Eu o conheci na cadeira de rodas quando veio fazer um tratamento comigo. Ele relatou que após o ocorrido, realizou um checkup para pesquisar e aparentemente o único problema de saúde era periodontite avançada. .

A incidência de AVC e infarto em pacientes com Periodontite

Finalmente, todos esses exemplos destacam que os dados clínicos estatisticamente significativos, sustentam a relação entre a periodontite e o aumento do risco de AVC. Embora os números possam variar de acordo com a população estudada e outros fatores de risco, esses estudos em larga escala mostram consistentemente que a periodontite está associada a um risco aumentado de eventos vasculares como o AVC e o Infarto do Miocárdio.

É importante observar que a pesquisa nesse campo continua evoluindo, mas essas evidências clínicas fornecem uma base sólida para a compreensão da relação entre a saúde bucal e a saúde cardiovascular.

Portanto, os estudos não conseguem provar uma relação direta mas conseguem levantar fortíssimas suspeitas. Então, se você tem periodontite ou sabe de algum parente ou amigo com essa doença, fica o alerta. Enfim, não deixe o tempo passar sem tratamento.

Autor: Nivaldo Pinho, Periodontista CROSC 9696

Outras Sugestões de Leitura:

Descoberta forte associação entre Periodontite e AVC.

https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33124761/

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